Olá pessoal do Porão Literário! Hoje vou compartilhar com vocês uma entrevista feita com Matheus Moori Batista o, autor de "A Neve e a Flor"
Vamos ao post, mas antes: Compre o livro clicando aqui
1. A neve e a flor apresenta uma narrativa com forte influência das fábulas clássicas. como foi o processo de equilibrar essa atmosfera lúdica e acessível com reflexões profundas sobre a morte e o luto, sem cair no didatismo?
Contar estórias é a forma mais antiga de transmissão de conhecimento entre seres humanos. De certa maneira, o storytelling tem uma essência didática. Contudo, creio que a melhor forma de se contar uma estória é se aprofundar na experiência dos personagens: no que estão sentindo, pensando e buscando. Foi de fato um desafio escrever os diálogos, pois queria trazer reflexões profundas, mas tinha que manter a naturalidade de uma conversa, caso contrário, soaria artificial. Tendo isso em vista, tive que dosar gradualmente as perguntas e reflexões conforme construía a relação e intimidade entre os personagens para conferir um caráter mais verossímil ao romance.
2. A jornada de Erin envolve encontros com diferentes grupos de animais, cada um com a sua própria visão sobre o fim da vida. Como você construiu essas perspectivas distintas e qual delas mais ressoou com você durante a escrita?
As diferentes perspectivas foram inspiradas em religiões e filosofias do mundo humano. As corujas têm a crença da reencarnação, comum em várias tradições. A crença dos predadores é vagamente baseada nos costumes nórdicos, na qual uma morte heróica é recompensada com o Valhalla no além-vida, e a partir disso criei uma religião fictícia. Já a filosofia dos corvos pegou sua base em Santo Agostinho, com a metáfora de que Deus veria o tempo sob a perspectiva de quem está no topo de uma montanha, e daí extrapolei para uma religião que não abarca a ideia de pós-vida. Essa última crença foi a que mais mexeu com minhas perspectivas, pois acabei criando uma doutrina na qual os adeptos encontrariam consolo justamente na inexistência de um pós-vida, o que é contrário ao que eu acredito.
3. O livro trabalha com uma abordagem muito sensível do luto, destacando suas nuances e o impacto nos que ficam. Essa visão veio de alguma experiência pessoal ou de pesquisas sobre diferentes rituais e crenças sobre a morte?
Parte dos dois. A ideia do livro veio em um momento em que a minha avó tinha sofrido um derrame e pareceu que não ia durar muito mais tempo. Passei por um luto antecipado na época. Da parte de pesquisas, encontrei um costume de origem africana que consiste em tornar o luto em uma celebração em vez de resignação, tal ato não representa felicidade diante da morte, mas um agradecimento pelos momentos que pudemos viver com o falecido. Isso não é apenas uma homenagem aos mortos, mas também uma lição para os vivos: quais memórias estamos deixando para celebrarem quando não estivermos mais aqui?
4. Além da temática filosófica e emocional, a obra também retrata a brutalidade do mundo natural. Como foi equilibrar a delicadeza da mensagem central com a crueza da realidade selvagem?
A mensagem central de “A neve e a flor” é sobre a alternância da vida entre seus momentos bons e ruins, então também era natural que a brutalidade da natureza viesse à tona. Para compor os costumes e religião dos predadores, era essencial demonstrar o seu estilo de vida. Só dessa maneira poderíamos não apenas entender sua perspectiva de mundo, mas sentir melhor o drama de Roar, que não tinha mais utilidade naquele mundo, e seu papel na estória como um todo.
5. O final da história deixa espaço para uma reflexão sobre o legado e a forma como lidamos com a saudade. Você sempre soube como gostaria de concluir a trajetória de Erin ou essa conclusão foi sendo moldada ao longo do processo de escrita?
Todo romance que eu escrevi começava com uma ideia e um esboço geral: os personagens principais, o drama central que ligará todos e os maiores eventos ao longo da estória. A partir da espinha dorsal, eu escrevo os eventos principais até dar a narrativa como concluída, porém, eu trato apenas como um rascunho. Com o tempo, é comum que eu vá repensando alguns rumos da estória, acrescentando cenas e até personagens novos. Quando o livro está realmente pronto, é comum eu olhar para aquela ideia que tive lá no começo e perceber como aquilo estava ruim em relação ao produto final.